Páginas

sexta-feira, julho 04, 2008

Uma pequena história...


Às portas do dia "E" (Manifestação de Enfermeiros no dia 10 de Julho), talvez o timing para vos contar este episódio - que me foi relatado na primeira pessoa - não seja o mais adequado. Mesmo assim, partilho-o convosco, pois acho que todos devem ter conhecimento do que se passa com os colegas por este país fora...

Sucintamente:

Uma colega nossa, que colaborava com um Lar de Idosos há quase 15 anos, em regime de acumulação, recebeu uma proposta inesperada vinda do imaginativo Conselho de Administração (CA) da respectiva instituição: reduzir o seu salário/hora em 60%.

Indignada, recusou peremptoriamente invocando argumentos lógicos e sensatos - a dedicação, a competência, a experiência, o conhecimento, etc...
Inflexível, o CA recusou.
Inadmissivelmente, era uma proposta economicista. A colega recebia um valor muito acima da média do mercado, e trabalhava duas horas, diariamente, seis dias por semana e contactável 24 horas por dia.
Revoltada, abandonou a sua dedicação dos últimos 15 anos.

O médico da instituição - que comparece na instituição apenas duas horas por semana e que tem um salário fixo de 800 euros/mês - lançou logo a sua ofensiva e tentou colocar umas quantas "cunhas" de paizinhos cujos filhos não tinham part-times e foram, à noite, bater à porta do sr. doutor para lhe pedir o "favor" de lá colocar o "menino" ou a "menina".
Ao médico foi recusado qualquer tipo de intromissão na escolha do novo Enfermeiro, pois o CA pensou em contratar alguém a tempo inteiro, 40 horas por semana. E assim fez. Não foi difícil, os currículos apresentavam-se aos montes. Mais fácil ainda foi negociar o salário: 600 euros/mês - a recibos verdes - e poderia lá almoçar, se assim o desejasse.

A Enfermeira que tinha "batido com a porta", auferia um salário consideravelmente superior só com as suas 12 horas por semana.
E assim foi. Já se passaram 4 meses e já é o quinto (5º) Enfermeiro que por lá passa. A razão tem barbas. Logo que recebem uma proposta de um Hospital/Centro de Saúde, fazem as malas e esvoaçam a uma velocidade alucinante.
Além disso, todos afirmaram "que trabalhando apenas no lar não se aprende nada nem há estímulo", e o sentimento era comum: "parecia que estava a ficar estúpido" (atenção, as palavras não são minhas!)...
A taxa de internamentos aumentou a pique. A taxa de falecimentos também. As depressões proliferam entre os idosos. As conspirações entre os diversos profissionais igualmente e ao mesmo ritmo.

Tenho pena da pobreza de espírito, da falta de visão e compreensão de tal CA.
Tinham um óptimo elemento que, literalmente, geria a instituição no que respeita ao âmbito da saúde.
Os novos colegas, humilhados e explorados, abandonam sucessivamente a instituição invocando desmotivação, falta de auto-realização, desinteresse e salário incompatível com a função.

Como sabem, não sou contra as acumulações, pelo contrário. Circunstancialmente são favoráveis aos Enfermeiros e aos utentes. Muito do prestígio dos Enfermeiros granjeou à custa de acumulações que conferiam experiência, valor e reconhecimento.
Quem não conhece o Sr. Enf "X" que exerce ali e é formador acolá? Ou o Enf. "Y" que é especialista aqui, dá aulas acolá e coordena isto?
Tudo isto resulta do esforço da dedicação, competência e conhecimento.

Certos exercícios profissionais a "tempo inteiro", ao contrário do que muitos afirmavam, não trouxeram mais poder reivindicativo, qualidade, poder económico ou visibilidade social.
Sou a favor da possibilidade da escolha de exclusividades para os Enfermeiros, deixando a força da opção à consideração de cada profissional.
Mais uma vez: assim não vamos lá. E pronto, assim vão os Enfermeiros e a Enfermagem...


15 comentários:

  1. As férias fizeram-lhe bem sr. Dr Enfermeiro, e ainda bem... está com outra "côr". !!! Acredite que assim fica melhor...

    ResponderEliminar
  2. Criamos uma imagem para este evento de 10 de julho que apelavamos aos blogers colocarem.

    Gostava de ouvir e ver dia 10 de julho muitos enfermeiros da ultima vez fomso 1500 agora gostava de ver o dobro ou triplo!

    Abraço Dr. Enfermeiro.

    Os tempos são negros se não lutarmos !

    ResponderEliminar
  3. Continua a escrever muito bem!
    Sei bem o que é dedicação a uma instituição de acção social e o que é o reconhecimento.
    Outro facto, é a experiência, o "know-how", a bagagem de um local de trabalho mais exigente, para outro em existe um "rotina", mas mais autonomia, ainda não legalmente reconhecida... Seria interessante uma conferência, ou algo do género, de enfermeiros que trabalham em instituições de acção social, promovida pela OE, tendo como horizonte as competências nesta área.
    O excesso de oferta pode levar a tentativa de abusos, cabe-nos a todos repudiá-los.

    ResponderEliminar
  4. Cabe à OE fiscalizar se não deixam implementar o modelo de desemvolvimento profissional, que vá avaliar a qualidade dos estágios, professores, escolas, etc, só isso...
    Pode começar por ir à mesericórdia de sever de vouga onde pensos são feitos por ajudantes de lar.

    ResponderEliminar
  5. ”...Quem não conhece o Sr. Enf "X" que exerce ali e é formador acolá? Ou o Enf. "Y" que é especialista aqui, dá aulas acolá e coordena isto?...”



    Lá está a visão do dr. enf.: o enf. deve ser pau para toda a colher. Um pouco à imagem de Mário Soares em russo: “taquí-talí-tacolá”!

    Quando é que percebe que as acumulações são um perpetuar de tachos?

    A experiência de que fala, é pura ilusão! Se só se dedicar a uma área, poderá explorar tudo o que ela tem para dar. E se esse caminhar no conhecimento for feito seriamente, vai ver que não lhe sobra muito tempo para outras lides... Quer ser enfermeiro a sério, ou quer brincar aos curativos?

    Fervoroso defensor da Enfermagem?
    Olhe que não, olhe que não!

    ResponderEliminar
  6. O ultimo comentário é completamente rídiculo...
    Achaque um enfermeiro como formador a tempo inteiro seria uma mais valia? Na formação (como noutras áreas) a experiência é fundamental!! E é (também) pela faltade experiência que o ensino de enfermagem está como está ...

    FILIPE

    ResponderEliminar
  7. Este blogue esrá cada vez melhor. Parabéns ao dr. enfermeiro.
    Concordo com o seu post e com cada palavra que ele contém, há coisas que só não vê quem não quer...
    Tbm concordo com o desassossego, escreve muito bem!

    ResponderEliminar
  8. Bela "história"...
    Para ser original, deixe-me dizer (já que estamos numa onda de sinceridade) que também admiro muito a forma como escreve.
    Penso que o doutor enfermeiro deu muito à enfermagem!

    BEM HAJA!

    ResponderEliminar
  9. Ó Sr. Filipe, esteja descansado que não vou dizer que o seu comentário é ridículo…

    Mas veja: efectivamente, deve haver uma grande proximidade entre a “prática” e “ensino”. Mas não é isso que se verifica na Enfermagem:
    - há enfermeiros recém formados a acompanhar alunos em estágio;
    - há enfermeiros a leccionar em escolas, não por terem formação direccionada para o que ensinam, mas porque são amigos de A e de B;
    - há enfermeiros que estão nas escolas, mas há muito que já não percebem muito daquilo que é a realidade do dia a dia das instituições de saúde;
    - há enfermeiros que andam frenéticos em pós graduações, mestrados e doutoramentos, para se escaparem para as escolas

    Que tal se houvesse algo intermédio?
    Já pensou que você, se fosse realmente um verdadeiro e um excelente enfermeiro, poderia trabalhar 20 horas por semana no seu hospital e as restante 15 poderiam ser realizadas numa escola de enfermagem.
    Já viu que bom exemplo de articulação entre trabalho e escola, sem roubar lugar a ninguém!

    A propósito: Sr. Dr. Enf., qualquer dia vai ter mesmo de lançar um livro. Compradores não lhe vão faltar! “Ai que ele escreve tão bem”!
    Dodot Dodot.

    Àh, e o APP diz que você “deu” muito à Enfermagem. Estará a prever o seu fim? Não me diga que se vai aposentar!
    Ainda vou ter de criar um blog “Doutora Enfermeira”…

    ResponderEliminar
  10. Não seja invejoso. Há que dar o mérito a quem o tem, neste caso o doutor enfermeiro.

    ResponderEliminar
  11. Sr(a). Anónimo.

    ACORDE!!!!
    "Olhe que não, olhe que não".
    Pela sua expressão posso pensar que é amigo do Sr. Jerónimo de Sousa......

    A acumulação de funções não é o cancro que voçê diz.
    Se está na Enfermagem à tanto tempo quanto eu (e olhe não são tantos anos quanto isso), deve-se lembrar que exixtiam acumulações com frequência e a qualidade dos cuidados não era inferior à actual. Na minha opinião agora talvez até seja ligeiramente inferior.
    Lembre se que nas instituições privadas não há a "escola" que há nas públicas. Está lá para trabalhar e não para aprender.
    Espera-se que já saiba trabalhar e que não esteja a ser integrado à vida profissional.

    Com o actual panorama, as coisas mudaram um pouco. Agora que se lixe se sabem trabalhar, querem-se é Enfermeiros baratos, e se o que cá está agora não presta há mais 3000 para testar até ter um bom.

    Conheçe algum CA que o autorize a trabalhar 20h/semana para ir para uma Escola as outras 15?
    Deve conhecer deve.....

    Um abraço a todos e saudações cordiais para o DoutorEnfermeiro.

    Tiago Cunha

    ResponderEliminar
  12. Sr. Tiago, deu para ver que o raciocínio não é o seu forte…
    Tudo bem, compreendo e respeito!
    Quanto ao seu discurso digo: “CLARO QUE CONHEÇO!”
    E mesmo que isso não acontecesse, talvez fosse hora de os enfermeiros lutarem para que isso fosse uma realidade de Norte a Sul do país.

    Mas lembro-o que não estou a aqui para falar consigo.
    Os meus argumentos são dirigidos ao “bloguista” em questão.
    Por favor, não se intrometa!

    ResponderEliminar
  13. Todos os intervenientes fazem parte integrante do blog.

    ResponderEliminar
  14. As acumulações são uma falsa questão, elas não existem só na enfermagem...até os professores acumulam (noutras escolas, formação, explicações ...). Ninguém pense resolver o problema do desemprego através das acumulações (isso é o que considero ridículo!!!). Que deve haver regras, tudo bem!!
    Diga-me qual é o problema de um determinado enfermeiro acumular 35 horas num hospital e 3 horas num lar ou 6 horas a leccionar numa escola?
    Se uma empresa necessitar de um enfermeiro 10 horas por semana, o que faz? Está-se a roubar lugares com as acumulações ou está-se a diminuir a qualidade dos enfermeiros? Que interesse tem para a enfermagem haver enfermeiros a ter como único trabalho 3 horas numa clínica, 10 horas num lar...E os enfermeiros formadores em exclusividade na formação!!! Onde vão buscar as bases práticas da formação?

    FILIPE

    ResponderEliminar
  15. Felipe, pergunte ao Sr. Anónimo. Ele também nãoo deve saber , mas vai dizer que sim...

    ResponderEliminar