segunda-feira, março 09, 2009

Ó tempo, volta para trás....


Hoje, enquanto procurava um livro, deparei-me com algo que, embora não perdido, há muito que não via nem reflectia sobre o seu significado. Voltei a ter nas mãos a caneta com a qual assinei a minha tomada de posse na função pública. Quem me conhece bem também conhece o meu fascínio por estes objectos de escrita. Mas esta caneta é especial. Apesar de eu, regularmente, despender algum dinheiro na compra destes objectos, esta caneta foi-me oferecida.

Um dia, há muito tempo atrás, encontrava-me eu de serviço, disseram-me que havia alguém queria falar comigo. Que aguarde um momento - disse. Era uma utente. Trazia um presente. Raras são as vezes em que aceitei algo, mas daquela vez não recusei. Estendeu-me a mão e ofereceu-me um pequeno embrulho. Disse que eu tinha feita algo por ela muito importante e que se eu não aceitasse a deixaria desapontada (como poderia recusar?).
Francamente, as minhas recordações sobre os factos que ela ia, pacientemente, mencionando eram vagas. É mais fácil os utentes lembrarem-se de nós, do que nós deles. Voltei e abri o embrulho. Uma caneta. Uma Cesare Emiliano manufacturada em prata (igual à da foto). Esteticamente apetecível, com o toque e qualidade italiana, gostei. Juntei-a à restante colecção.

Dias antes da tomada de posse (nesses tempos algo importante e personalizada), lembrei-me dela. Ficou prontamente decidido - ia assinar com o meu presente.

O dia chegou e eu era grevista (irónico?). Decorria uma greve dos Enfermeiros e eu fazia parte da constituição do piquete.
Entrei no salão onde era habitual decorrerem estes eventos mais formais. Pequeno discurso dos elementos do Conselho de Administração, lembranças oferecidas pela Direcção de Enfermagem, palavras de agradecimento dos Enfermeiros, tomada de posse (todos - quatro - levavam o seu objecto de escrita especial), fotografias para o arquivo, chá com biscoitos, confraternização breve e... regresso à greve. Houve tempo ainda para comentar e chamar a minha atenção para os gatafunhos feitos por mim "no acordo selado com o estado português". "É assim que consta no meu bilhete de identidade" - expliquei e saí.

Belas recordações. Só gostava que muitos de vós tivessem sido Enfermeiros nesses dias. Valorizados, admirados e respeitados. Certamente, alguns dos que estão a ler este post, ainda se lembram do tempo em que telefonavam aos Enfermeiros para os "convidar para trabalhar". E se não se atendesse, vinham, insistentemente, bater à porta. Tentavam convencer os "senhores Enfermeiros" esgrimindo com argumentos financeiros. Os Enfermeiros Directores trocavam palavras azedas entre si para cativar e roubar Enfermeiros ao "vizinho". Lembro-me como ficavam a olhar - com admiração - para nós quando revelávamos a nossa profissão. Ó tempo, volta para trás.
Ainda escreve, a minha Cesare Emiliano.

Comments:
acredito que o tempo vai voltar para tras dr enfereiro, mas vai é recuar mais do que o tempo que referiu no seu texto, vai recuar ao tempo da florence.... ai vai vai.
 
Não terá tirado essa historia de algum romance ou livro de conto de fadas?? Será que alguma vez a enfermagem e os enfermeiros viveram esses tempos "aureos" que relata, ou é apenas mais um exemplo da sua produtiva imaginaçao??...
 
Eu sou desse tempo Dr.Enfermeiro.
Eram só convites de trabalho.
A gente é que optava pela instituição.
Não é miragem nenhuma, nem ilusão. Era a realidade de ser-se Enfermeiro nesse tempo.
Boa sorte nas negociações da Carreira de Enfermagem aos Sindicatos.
A todos os Enfermeiros que estão em luta um forte abraço.
 
Quem és tu DE....? :))
Admirável a forma como escreves....

Eu ainda sou do tempo em que escolhia a instituição e o serviço... e começava logo a trabalhar...

Não é um romance nem conto de fadas, era a realidade há 20 ou 15 anos atrás. Nunca soube o que era desemprego.... não sei o que são contratos de trabalho... recusei alguns hospitais e serviços porque não gostava muito... em Lisboa, dava-me ao luxo de escolher onde queria trabalhar....

Era o tempo em que não havia computadores, nem CIPEs, era o tempo em que o mais importante era o doente e não o curriculo, era o tempo em que os enfermeiros eram os advogados do doente, era a primeira linha de defesa e a primeira palavra que se ouvia.... ENFERMEIRA!!!...., chamavam por nós por tudo e por nada.... não havia mãos que chegassem....era o tempo em que o grau de satisfação era grande.... íamos para casa de gatas com o cansaço, mas com o coração quentinho e a alma apaziguada.... fazíamos tanta tanta falta, precisavam tanto de nós...

hoje...? demitimo-nos de muitas tarefas porque afinal não somos meros técnicos de saúde....então, que é isso? vénia até ao chão...
largámos o modelo biomédico porque somos autónomos e caímos no extremo oposto das filosofias baratas, independentes de todos os outros técnicos de saúde, agarrados a posturas estéreis narcisicas e egoístas...

A licenciatura além de não nos dar mais dinheiro, nem reconhecimento, está-nos a desviar do caminho ... e anda por aí tanto técnico desejoso de fazer o que nós fazíamos...
 
Eeheh... tb sou desse tempo.
Sim senhor, mto bem escrito! Parabéns DE!
 
Eu também NÃO VOTO PS.
 
Eu, tambem sou desse tempo,tomei posse no salão nobre do hospital onde trabalhava,e quem nos deu posse foi a Sra.Enfª Directora, e não um qualquer administrador, este acto traduz a forma digna e autonoma que a Enfermagem era tratada.F.C.
 
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