sexta-feira, novembro 10, 2006

Alerta máximo!




Eis um excerto de um artigo do jornal "Correio da Manhã" sobre o dia-a-dia no INEM:

"O bebé bolsou e engasgou-se enquanto mamava. Fez aspiração de vómito e há já um minuto que não respira. Mergulhou em profundo silêncio, prostrado ao colo da mãe em desespero, jovem inexperiente e incapaz de reagir.

A chamada caiu agora no 112 e a operadora sabe que pouco tempo lhe resta – os próximos segundos podem ser fatais. Os gritos da avó em nada ajudam. Sónia Serrão faz tudo para a acalmar. Contém os nervos mas não há tempo. A senhora está confusa, explica-se mal. Sónia também já grita para ser ouvida. Dá ordens directas. “Tragam o bebé para junto do telefone”, implora sem esconder a ansiedade, com os olhos dos colegas todos postos em si. “Isso. De barriga para baixo. Cinco pancadas entre os ombros. Isso. Agora virem-no, compressão a meio do peito. Isso. Mais.” E assim sucessivamente. Três longos minutos e, finalmente, respira-se de alívio no CODU de Lisboa – o Centro Operacional de Doentes Urgentes na alçada do INEM. Ouve-se chorar do outro lado.

Estes “são momentos de enorme pressão, mas hoje valeu a pena vir trabalhar”, confessa a já experiente operadora, 33 anos, que acabou de salvar a vida a uma criança. “Os bebés são resistentes, mas é preciso actuar, e as pessoas não colaboram. Entram em pânico.” Sónia respira fundo, descomprime, assenta a morada e acciona uma ambulância para o local.

Faz uma pausa neste início de tarde, mas sabe que não tem tempo a perder. Há sempre chamadas à espera. E “nunca se sabe quem está do outro lado” – apesar de, entre as 80 que cada operador recebe em média por oito horas de turno, apenas dez a 15 são chamadas reais, de emergência. Ligam por dores de dentes, unhas encravadas, dedos partidos, constipações, até para furarem a entrada nas urgências. “Não sabem muitas vezes para que serve o 112”, lamenta um responsável do INEM.

O clima no amplo e moderno andar da Rua Almirante Barroso, Lisboa, é agora mais calmo, voltou à rotina. Os 16 operadores e os dois médicos de turno voltam aos lugares, olhos postos nos monitores. “Situações com crianças criam-nos mais ansiedade e stress.” Não conseguem desligar, querem saber o desfecho de alguns casos, ter um ‘feedback’ da tripulação que enviam ao local.

O procedimento repete-se a cada chamada e a sofisticada aplicação informática está pronta a receber informação completa, dada pelos utentes e batida à pressa pelos operadores. A cada chamada abre-se uma ficha de triagem e a conversa é também gravada pelo sistema – uma defesa para o INEM em casos de dúvida e que podem chegar à barra dos tribunais.

A vertente psicológica é muito importante, lidar com as pessoas e com o seu estado emocional, “sobretudo em situações de trauma” – acidentes com vítimas. Perguntam tudo e recolhem “a máxima informação”, o que se está a passar, antecedentes, medicação, tudo. Já conhecem as respostas e detectam “a gravidade dos factos”.

Em caso de dúvida não se correm riscos e os meios são sempre accionados, com o aval dos médicos, que ouvem e podem interferir nas chamadas. Cinco vítimas graves activam o plano de emergência – a Viatura de Intervenção em Catástrofe, uma ambulância equipada e uma viatura médica. Nos casos normais segue uma ambulância e com feridos graves arranca logo atrás a VMER – Viatura Médica de Emergência e Reanimação, sempre tripulada por médico e enfermeiro.

As paragens cardiorrespiratórias exigem reacção imediata e mal deixam tempo para accionar os meios. É preciso actuar logo ao telefone, dar indicações para as primeiras manobras de reanimação. A escala de serviço promove interacção de experiências entre CODU e viaturas, com os operadores treinados no terreno, enquanto Técnicos de Ambulância de Emergência – a categoria TAE. Hoje no CODU, Sónia recorda uma saída em ambulância com uma senhora em paragem. “O filho seguiu os conselhos do operador e, com instruções ao telefone, foi capaz de fazer suporte básico de vida. Reverteu a situação e, até chegarmos, combateu minutos de espera. Salvou a mãe.”

E há os casos psiquiátricos, “sempre os piores na triagem”. O CODU não tem capacidade para obstruir as linhas de emergência “com aconselhamentos prolongados”. Há casos de potenciais suicidas, em que é accionado o psicólogo – e ainda os crónicos, pessoas já conhecidas dos operadores, que “ligam apenas para desabafar”. Às vezes oito e dez vezes por dia. Forçam uma chamada durante minutos – “uma eternidade”.

Descemos à rua e entramos logo na porta em frente, uma das várias garagens do INEM onde o entra e sai de ambulâncias é constante. Marta Rodrigues e Ana Gandra, 24 anos, são TAE. Formam hoje uma equipa e fazem as apresentações na ambulância. Desfibrilhador Automático Externo, oxigénio, sacos de primeira abordagem e trauma, entre suportes, prateleiras, compartimentos, armários, sacos e gavetas de várias cores com primeiros socorros a postos – um extenso inventário diariamente conferido, assim como todo o material usado reposto. Conhecem a rotina por turnos de oito horas e nada as atrapalha.

A Lisboa 1 apanha Anjos, Arroios e Graça, entre outras freguesias da capital – zonas marcadas pela droga, miséria, mas sobretudo por uma população envelhecida. São 17h45. Toca o telefone e há uma saída urgente. Possível AVC em evolução. Ana avança para o volante, liga as sirenes e acelera pela Estefânia. Os semáforos não têm cor. Descemos à Av. Almirante Reis em hora de ponta e seguimos na direcção da Graça, onde encontramos Esmeralda Costa, simpática senhora de 83 anos, prostrada na cama encostada à húmida e degradada parede de uma casa antiga.

Duas vozes pausadas perguntam por sintomas e antecedentes, primeiro mede-se a tensão. A boca ao lado revela uma recente trombose. Esmeralda ainda nada comeu hoje, mas “está cheia de força”, incentivam as raparigas. “Então já posso jogar ao boxe”, logo riposta a doente, garante já se sentir melhor. Solteira e filha única, vive há décadas sozinha no Beco do Monte. Não tem ninguém. “Quer ir até ao hospital, dona Esmeralda?”, pergunta Marta. “Eu vou, mas desde que me levem no carro. A pé já não posso”, brinca, enquanto procura os óculos e ajeita o roupão azul para se estender na maca.

O percurso até São José é calmo, sem grandes velocidades. “Quando estão estabilizados não se justifica. Mesmo em casos de acidente, para não agravar as lesões”, explica a hábil Ana, treinada em curso de condução defensiva no Autódromo do Estoril. Os dias passam muito por estes casos, idosos na mais baixa dignidade humana. Às vezes vestem-nos para saírem à rua, situações que mexem com os socorristas. Já as noites são diferentes, aos fins-de-semana, dadas ao mundo do crime e da droga – quando a ‘Lisboa 1’ vai ao Bairro Alto por cenas de tiros e facadas.

A entrada no hospital dá-se pelas urgências e as duas TAE logo põem a médica de serviço ao corrente. Esmeralda fica. Preenche-se a ficha e é encaminhada para dentro. Ao cruzar as portas levanta a mão e acena com o sorriso possível, está agradecida às jovens socorristas do INEM.

É tempo de regressar à garagem, uma hora depois, onde a Ambulância de Recém-Nascidos está encostada na parede ao fundo e desperta a nossa curiosidade. Utiliza-se em casos de transporte inter-hospitalar, “bebés demasiado prematuros que nascem em locais sem suporte indicado para a criança vingar”, diz João Reis, 24 anos, o TAE de serviço. Há problemas cardíacos e “são transportes de alto risco” – não podem ser acompanhados pela mãe. “A criança pode precisar de cuidados imediatos, ser entubada em qualquer altura e a mãe entrar em choque.”

Na manhã seguinte entramos no pequeno gabinete de Santa Maria e encontramos Marta Pereira e Susana Santos, médica e enfermeira do INEM, oito horas de prevenção na VMER. A equipa é accionada nos casos mais críticos, “quando é necessária a presença do médico” – e acelera com o mesmo material disponível na ambulância.

É uma “vida de desgaste”. E recordam casos típicos por turno. Enfartes são frequentes “de manhã cedo e depois do almoço”, hipoglicemias “à hora de jantar” e, mais tarde, os edemas pulmonares agudos – situações “gravíssimas”, de “insuficiência cardíaca”, que necessitam de cuidados médicos imediatos. E há ainda as paragens cardiorrespiratórias, a qualquer hora do dia, “também muito frequentes em gente nova”.

No Aeródromo de Tires está sempre pronto a levantar um dos dois helicópteros ao serviço do INEM – o outro fica 24 horas de prevenção no Hospital Pedro Hispano, Porto. Ana Rafael e Paulo Malta são médica e enfermeiro de turno, 12 horas, e circulam pelo hangar numa madrugada calma. Mas sabem que em qualquer altura podem rumar ao Algarve ou a qualquer estrada no Centro do País. “Intervimos em situações de catástrofe, resgate em zonas de difícil acesso ou transferências de doentes em estado crítico.” E também eles esperam não encontrar crianças.

MÉDICA

Marta Pereira, Viatura Médica do Hospital de Santa Maria, Lisboa

"MUITA ADRENALINA E ESPÍRITO DE MISSÃO"

A adrenalina e o espírito de missão no INEM, “mais do que pelo dinheiro”, fazem com que Marta Pereira acabe as noites de banco, como anestesista no Hospital Amadora-Sintra, e, em vez de dormir, siga para oito horas de prevenção em Santa Maria. “É muito gratificante salvar a vida de alguém.”

ENFERMEIRA

Susana Santos, Viatura Médica do Hospital de Santa Maria, Lisboa

"SENTI O CHEIRO DO PERFUME DELE"

A distância entre enfermeiros e doentes é mais fácil em Santa Maria, “eles vestem o pijama do hospital, não é tão pessoal”. Nas horas de serviço no INEM, Susana recorda um acidente brutal na Nacional 10. “Dois jovens capotaram, um deles fez traumatismo craniano grave e paragem cardiorrespiratória.” Acabou por morrer. “Tentava a reanimação e senti o perfume, reparei na roupa, na pulseira que usava no pé. Marcou-me.”
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Fonte: www.correiodamanha.pt

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